sábado, 27 de janeiro de 2024

572 - O que é fundamentalismo cristão?

 


O fundamentalismo é a imposição sobre a Bíblia de determinada tradição religiosa humana, e a utilização da Bíblia como instrumento de poder para garantir o sucesso e influência dessa religião. Os fundamentalistas discordam violentamente entre si sobre a correta interpretação de certas passagens das escrituras. A maior parte das seitas cristãs existentes hoje se autodeclaram fundamentalista.

Os fundamentalistas não são literalistas bíblicos. Só tomam a Bíblia ao pé da letra quando lhes convém. Em outras palavras, olham para a Bíblia através de seus óculos particulares e eliminam da visão o que não desejam ver.

O fundamentalismo alimenta a intolerância ao levar as pessoas a pensar que conhecem absolutamente a mente e a vontade de Deus sobre qualquer coisa que lhes interesse.

O que os fundamentalistas têm em comum não é um conjunto de crenças específicas, mas a atitude de mente. É a convicção de que possuem o conhecimento absoluto da verdade da qual se tornam guardiões divinamente ordenados.

O fundamentalismo apodera-se das mentes humanas e as cega, aprisiona as pessoas em sistemas de crenças tão rígidos que elas não conseguem mais se libertar.    


segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

571 - Erhard Gerstenberger (1932-2023).

 


Professor Gerstenberger foi um especialista na área do Antigo Testamento e como tal um teólogo amplamente reconhecido em nível internacional.
De 1975 a 1981 Erhard Gerstenberger atuou como professor de Antigo Testamento na então Faculdade de Teologia, hoje Faculdades EST, em São Leopoldo / RS, tendo tido assim significativo número de ministros e ministras da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) como seus alunos e alunas. Teve também um breve período de ensino acadêmico na PUC do Paraná.

Erhard Gerstenberger nasceu em 20 de junho de 1932 em Hochemmerich, Alemanha, em família de recursos nada abundantes. Em sua infância e começo da adolescência experimentou a ascensão do nacional socialismo alemão e os horrores da guerra, seguidos pelas agruras do pós-guerra. Essa experiência muito pesada viria a influenciá-lo profundamente, com uma notável sensibilidade para com o sofrimento de pessoas. Um de seus muitos livros, em parceria com o professor alemão de Novo Testamento Wolfgang Schrage, mas de sua parte redigido quando no Brasil, leva por título “Por que sofrer?” Em igual parceria publicou livro com o título “Mulher e Homem”, com o que ele foi um dos primeiros propulsores na IECLB do reconhecimento de igual dignidade entre mulheres e homens. No Brasil também foi publicado seu livro sobre Deus no Antigo Testamento, em que aborda as múltiplas referências no Antigo Testamento a divindades e sua relação com o Deus Javé. De particular importância na pesquisa teológica são suas obras sobre os Salmos e o Decálogo. Já avançado em idade, octogenário, mas sempre pesquisador arguto, dedicou-se a estudar o antiquíssimo idioma sumério e escreveu minucioso estudo acerca da teologia do louvor em hinos sumérios até então não pesquisados.

Estudou teologia em várias universidades alemãs e na renomada Universidade de Yale nos Estados Unidos. O doutorado obteve-o em Bonn em 1961, a habilitação para docência acadêmica em 1970, em Heidelberg, ambas na Alemanha. De 1965 a 1975 atuou como pastor de comunidade em Essen-Frohnhausen. Sua estada no Brasil e na Faculdade de Teologia a partir de 1975 lhe proporcionou o contato com a Teologia da Libertação (TdL), com a qual estabeleceu uma relação de diálogo frutífero. Nos anos após sua volta à Alemanha, empenhou-se por uma recepção positiva dessa teologia latino-americana naquele contexto, por exemplo numa publicação alemã acerca da Hermenêutica, juntamente com o colega do Novo Testamento Ulrich Schoenborn, que também atuou na Faculdade de Teologia de São Leopoldo. Nas últimas décadas atuou como professor nas Universidades de Giessen e Marburg, na Alemanha.

Faleceu no dia 15 de abril de 2023, na cidade de Giessen, Alemanha, aos 90 anos, vitimado por uma pneumonia. 

Livros publicados no Brasil:






















sábado, 30 de dezembro de 2023

569 - História primitiva de Deus. Mark S. Smith.

 


Nesta história notável e aclamada do desenvolvimento do monoteísmo, Mark S. Smith explica como a religião de Israel evoluiu de um culto a Yahweh como uma divindade primária entre muitos a uma fé monoteísta totalmente definida com Yahweh como único deus. Repudiando a visão tradicional de que Israel era fundamentalmente diferente em cultura e religião de seus vizinhos cananeus, este livro provocador argumenta que a religião israelita se desenvolveu, pelo menos em parte, a partir da religião de Canaã. Com base em fontes epigráficas e arqueológicas, Smith demonstra convincentemente que a religião israelita não era uma rejeição total dos deuses pagãos estrangeiros, mas, antes, era o resultado do estabelecimento progressivo de uma identidade israelita distinta.

 

SUMÁRIO

Preâmbulo à segunda edição, 11

Preâmbulo à segunda edição, 14

1 Pesquisas recentes sobre divindades, 14

2 Tendências importantes desde 1990, 19

3 Desafios teóricos, 25

4 Asherah/asherah: nova discussão, 35

5 Retrospectiva, 42

Agradecimentos (primeira edição), 45

Abreviaturas e siglas, 49

Introdução, 55

1 A questão da compreensão da religião israelita, 55

2 Pressupostos para este estudo, 70

 

1 Deidades em Israel no período dos Juízes, 77

1 Herança “cananeia” de Israel, 77

2 Yahweh e El, 91

3 Yahweh e Baal, 103

4 Yahweh e Asherah, 109

5 Convergência das imagens divinas, 117

6 Convergência na religião israelita, 120

7 Israel e seus vizinhos, 123

 

2 Yahweh e Baal, 129

1 Adoração a Baal em Israel, 129

2 Imagens de Baal e Yahweh, 146

3 O papel da monarquia, 159

4 Excurso: Yahweh e Anat, 170

 

3 Yahweh e Asherah, 178

1 Distribuição no registro bíblico, 178

2 O símbolo da Asherah, 182

3 As evidências epigráficas, 189

4 Asherah – uma deusa israelita?, 197

5 A assimilação das imagens de Asherah, 206

6 Excurso: linguagem de gênero para Yahweh, 211

 

4 Yahweh e o Sol, 224

1 O registro bíblico, 224

2 O papel da monarquia, 230

3 A assimilação das imagens solares, 236

 

5 Práticas cultuais javistas, 237

1 Lugares e símbolos cultuais javistas, 237

2 Práticas associadas aos mortos, 239

3 O sacrifício mlk, 250

 

6 As origens e o desenvolvimento do monoteísmo israelita, 263

1 O período dos Juízes, 265

2 A primeira metade da monarquia, 266

3 A segunda metade da monarquia, 272

4 O exílio, 274

5 O monoteísmo israelita em perspectiva histórica, 278

 

7 Post-scriptum – Retratos de Yahweh, 284

1 Processos que levaram a retratos divinos em Israel, 284

2 A ausência de alguns papéis canaanitas divinos no registro bíblico, 287

Índice de textos, 293

Citações bíblicas, 293

 

P. 326.

Editora. Vozes.

Lançamento. 2023.

 


Mark S. Smith
é o Professor de Literatura e Exegese do Antigo Testamento no Seminário Teológico de Princeton. Depois de obter mestrado na Universidade Católica da América, na Universidade de Harvard e na Universidade de Yale, ele obteve seu doutorado em Yale. Antes de vir para o Seminário de Princeton, ele atuou como Professor de Bíblia Hebraica e Estudos do Antigo Oriente Próximo na Universidade de Nova York, e também lecionou em Yale e na Universidade de Saint Joseph. Leigo católico romano, Smith também atuou como professor visitante no Pontifício Instituto Bíblico de Roma e na Universidade Hebraica de Jerusalém.

Smith é especialista em religião israelita e na Bíblia Hebraica, bem como na literatura e religião de Ugarit da Idade do Bronze Final. É autor de 15 livros e mais de 100 artigos. Sua pesquisa atual inclui um comentário sobre o livro dos Juízes, de coautoria com Elizabeth M. Bloch-Smith.


sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

568 - Introdução ao Acadiano: Richard Caplice/ Daniel Snell.

 



A Introdução ao Acadiano de Richard Caplice, padre jesuíta e assiriologista que se especializou no estudo de línguas próximo-orientais antigas no Instituto Oriental da Universidade de Chicago, foi publicada pela primeira vez em 1980, e, durante algum tempo, foi um dos poucos métodos de estudo de acadiano disponíveis aos especialistas em língua inglesa. No Brasil, o estudo do acadiano e das civilizações próximo-orientais carece de um manual padrão de estudo de acadiano em português, o que dificulta a formação de quadros especializados. Espera-se que o presente volume possa contribuir para ampliar, no Brasil, o conhecimento sobre os antigos mesopotâmicos, permitindo a aplicação de cursos de acadiano nas universidades ou, ainda, seu estudo de forma independente, de maneira a fomentar um contato direto com as fontes cuneiformes que inauguraram a técnica da escrita na história da humanidade. A Introdução ao Acadiano familiariza o estudante com símbolos cuneiformes desde a primeira lição, e conta com exercícios em todas as lições.

 

Paulus, 2023

P. 184.


quinta-feira, 2 de novembro de 2023

566 - Quem foi Lilith?


No texto bíblico, o nome Lilith aparece apenas uma vez, em Isaías 34:14.

 

וּפָגְשׁ֤וּ צִיִּים֙ אֶת־אִיִּ֔ים וְשָׂעִ֖יר עַל־רֵעֵ֣הוּ יִקְרָ֑א אַךְ־שָׁם֙ הִרְגִּ֣יעָה לִּילִ֔ית וּמָצְאָ֥ה לָ֖הּ מָנֹֽוחַ׃

 

“Encontrarão (verb) fera (subs) do deserto (subs) com um chacal (subs) peludo (adj) sobre companheiro (subs) chamará (verb) porém ali, perturbar (movimentar) (verb) Lilith (subs) alcançar (verb) para ela descanso (subs)”. Minha tradução.

 

“Aí vão se encontrar o gato do mato e a hiena, o cabrito selvagem chamará seus companheiros. Aí Lilit vai descansar”. Bíblia Palavra Viva. São Paulo: Paulus, 2022.

 

“Os gatos selvagens encontrarão ali as hienas, os sátiros ali gritarão um para o outro. E ali também se instalará Lilit: lá ela encontrará o repouso”. Bíblia Tradução Ecumênica. São Paulo: Loyola, 1994.

 

“Lá se encontrarão a hiena e o gato do mato, o cabrito selvagem chamando os companheiros, lá descansará Lilit, ali encontrará repouso”. Bíblia Sagrada Tradução CNBB. Brasília: CNBB, 2008.

 

“Aí vão se encontrar o gato do mato e a hiena, o cabrito selvagem chamará seus companheiros; aí Lilit vai descansar, encontrando um lugar de repouso”. Bíblia Pastoral. São Paulo: Paulus, 1990.

 

“Demônios encontrar-se-ão com burros-centauros. E chamarão uns pelos outros; lá os burros-centauros descansarão, pois encontraram para si mesmos um lugar para descansar”. LOURENÇO, Frederico. Bíblia Antigo Testamento: Os Livros Proféticos. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

 

“Nela se apertarão os espíritos, e o espírito maligno gritará a seu companheiro; ali repousará o espírito maligno com forma de mulher, e achará descanso”. Peshitta. Niterói/RJ: BV Filmes Editora, 2018.

 

“Ali se darão encontro as hienas e os chacais, e os sátiros chamarão seus companheiros, para que ali venha a descansar Lilite, e ache para si o lugar de seu repouso”. Bíblia Textual. Niterói/RJ: BV Filmes Editora, 2019.

 

“E animais do deserto se encontrarão com hienas; bodes selvagens clamarão um ao outro; e Lilite, criaturas noturnas, pousarão ali e encontrarão descanso e refúgio”. Bíblia King James. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2012.

 

Palavra original: לִילִית
Parte do discurso: Substantivo Feminino
Transliteração: liyliyth
Ortografia fonética: (lee-leeth')

 

 Mas nos manuscritos do Mar Morto, o testemunho mais antigo do texto bíblico encontrado até agora, Lilith também aparece na Canção para um sábio, um hino possivelmente usado em exorcismos.

Apesar das poucas menções, para os judeus, a Torá é a fonte para a interpretação das principais leis e da ética, já que é considerada uma forma de revelação divina para a humanidade. Ho primeiro livro do Pentateuco há um versículo que suscita muitas dúvidas e várias interpretações: “E Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. E Deus os abençoou, e disse: frutificai e multiplicai-vos” (Gênesis 1.27).

Isso ocorre no sexto dia da Criação. No sétimo, Deus descansou.

Mais adiante, conta que ele colocou “o homem que havia se formado” no Éden, e só depois: “E disse Jeová Deus: Não é bom que o homem esteja sozinho; darei uma ajuda idônea a ele” (2:18). Continuando, 2.21: “E Jeová Deus fez um sono profundo cair sobre Adão, e ele adormeceu. Então ele pegou uma de suas costelas e fechou a carne em seu lugar; 2:22: e da costela que Deus tomou do homem, fez uma mulher e a levou ao homem”. Fica a pergunta, o que aconteceu com aquela fêmea criada no sexto dia?

Uma interpretação é que esse primeiro ser criado era andrógino, uma criatura que era simultaneamente homem e mulher e foi separada depois (interessante que Platão desenvolve essa ideia em sua obra O Banquete).

Outra leitura é de que houve duas Evas: Adão não gostou da primeira e Deus a substituiu por outra.

Embora esta última versão tenha surgido cedo, a associação com Lilith demorou a aparecer, apesar de ela já estar viva no imaginário da região pelo menos um milênio e meio antes de a Bíblia começar a ser escrita (séculos XI e V a.C).

A menção mais antiga ao seu nome aparece na Epopeia de Gilgamesh – a mais antiga obra épica escrita – e em A Árvore Huluppu, um poema épico sumério encontrado em uma tabuleta em Ur que remonta a aproximadamente 2 mil a.C.

Talvez seja possível imaginar que o mito tenha feito parte da demonologia babilônica, inclusive existe relatos de que amuletos e encantamentos eram usados para neutralizar os poderes sinistros deste espírito que atacava mulheres grávidas e bebês. Logo Lilith migrou para o mundo dos antigos hititas, egípcios, israelitas e gregos.

Isso provavelmente explica por que no Livro de Isaías ela aparece sem nenhuma apresentação, uma indicação de que o escritor confiava que os leitores a conheciam.

Também foi mencionada no Talmude da Babilônia (escrito por volta o ano 500), uma coletânea de discussões, relatos de grandes rabinos e meditações sobre passagens da Bíblia. Essa Lilith talmúdica tinha cabelos longos e asas, e encarnava práticas sexuais consideradas insalubres.

Outros textos posteriores que incorporam Lilith na história da criação, como o Zohar, escrito por volta de 1300 na Espanha, um dos dois livros fundamentais do pensamento místico judaico conhecido como a Cabala. O texto afirma que essa criatura andrógina inicial foi dividida, criando seres humanos distintos: o homem, Adão, e a mulher, “a Lilith original, que estava com ele e concebeu dele”.’

No Alfabeto de Ben Sirá, Lilith é a protagonista de um episódio que conta que quando Ben Sirá foi atender o filho doente do rei Nabucodonosor da Babilônia, inscreveu em um amuleto os nomes dos três Anjos da Saúde: Senoy, Sansenoy e Semangelof.

Quando Nabucodonosor perguntou quem eram os anjos mencionados no amuleto, Ben Sirá contou que pouco depois de Deus criar o homem, Adão, e a mulher, Lilith, eles começaram a discutir.

- Lilith: “Não me deitarei por baixo”.

- Adão: “Não me deitarei debaixo de ti, mas acima de ti, porque és apenas digna de estar na posição inferior enquanto eu, na superior”.

- Lilith: “Somos iguais, pois ambos fomos criados da terra”.

Quando Lilith se deu conta de que não chegariam a um acordo, ela pronunciou o Tetragrama – as sílabas sagradas do nome inefável de Deus – e voou para longe.

Adão orou ao seu Criador e disse: “Senhor do Universo, a mulher que me deste fugiu de mim!”

Deus então enviou os três anjos para dizer a ela que, se não voltasse, cem de seus filhos morreriam diariamente.

Lilith, no entanto, se recusou e disse que havia sido criada para “fazer adoecer as crianças: se são meninos, do nascimento até o oitavo dia de vida terei poder sobre eles; se são meninas, desde o nascimento até o vigésimo dia”.

Mas ela jurou que cada vez que visse nos bebês os nomes ou imagens dos anjos em um amuleto, não lhes faria mal.

Essa é a versão mais conhecida da passagem de Lilith pelo Paraíso. E a mais polêmica.

Isso porque muitos estudiosos não reconhecem O Alfabeto de Ben Sirá como uma representação do pensamento rabínico.

Alguns até o consideram uma peça deliberadamente satírica que zomba da Bíblia, do Talmude e de outras exegeses rabínicas, pois sua linguagem é muitas vezes vulgar e seu tom, irreverente.

O relato de Lilith em si leva a debates sobre mitologia versus história, textos sagrados e adições não sagradas, assim como a discussões polêmicas entre aqueles que veem a Bíblia como a palavra de Deus e os que a veem como parte do rico acervo cultural universal que admite não só uma história de origem, mas muitas outras.


quinta-feira, 12 de outubro de 2023

565 - O homem matou seu Deus.

 


É somente na religião cristã que a frase “Deus morreu” pode ser dita com toda a sua gravidade até o fim. É só nela que o homem matou seu Deus na pessoa do Filho, diante do silêncio do Pai, que o permitiu. O mistério da Redenção oculta a razão disso: era necessário que o homem matasse Deus, o seu Deus, invertendo assim a ação mais sagrada de todas, o sacrifício?!


Tradução: Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. parte do artigo 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos.